sexta-feira, 3 de março de 2017

Nota de leitura: Cidades Coloniais

Notas de leituras são um excelente método para estudar e revisar um determinado assunto. A minha metologia aqui usada é comparar os autores em suas semelhanças e diferenças sobre determinado tema. Durante minha graduação realizei várias dessas notas de leituras e postarei mais com o passar do tempo aqui no blog. É importante também fazer um quadro esquematizado para comparar as ideias dos diferentes autores.
Na nota de leitura de hoje usei apenas dois autores, uma pequena análise acerca das Cidades Coloniais no Brasil, comparando Almicar Torrão Filho e Melissa Ramos da Silva Oliveira.

Nota de leitura: 

Filho aborda a questão das Cidades Coloniais a partir de como se constroem imagens sobres elas, o autor foca mais em como são as projeções das cidades. Para ele, as exigências da colonização demandavam evidentes funções urbanas, sendo estas, relacionadas à exigências de portos para escoamento da produção, finanças, segurança, comerciantes, artesões, etc. Sendo assim, Filho conclui que a cidade colonial pode ser entendida como uma ponta-de-lança da penetração econômica, política e cultural, segundo a qual a organização, ou reorganização, estrutural da sociedade ou do território colonizado em seu lugar. Aponta que na colonização portuguesa e espanhola na América, as Cidades além de possuir funções administrativas e econômicas, tinham um caráter de difusoras da cristandade e do modo de vida europeu. Ele cita o exemplo dos aldeamentos que facilitou a difusão desses valores cristãos e europeus.
Oliveira questiona se a cidade foi realmente obra do acaso e da imprevidência, e que se houve realmente a falta de planejamento nas cidades coloniais brasileiras. A autora se preocupa em definir e conceituar as cidades coloniais em suas formas e não em suas funções. Para ela, toda cidade colonial para ser caracterizada de tal forma, deveria possuir uma Casa de Câmara e Cadeia, uma praça com pelourinho e uma Igreja Matriz, não se tem uma abordagem a respeito da questão dos valores que essas cidades tinham a Coroa Portuguesa.
 Filho levanta a problemática da diferença entre o processo de estruturação das cidades portuguesas das espanholas. O autor se baseia na corrente de Sergio Buarque de Holanda, em que define a oposição que separa as cidades portuguesas das cidades espanholas na América: as primeiras nascidas e crescidas sob o signo da desordem e da improvisação, enquanto as espanholas são resultado “mental”, de trançado uniforme, planejado e ordenado. É comparada também a forma de ocupação portuguesa com a forma de ocupação medieval, com traçados tortuosos e preocupados com a segurança das cidades, se instalando em lugares altos e com muralhas, enquanto os espanhóis utilizavam o método de tabuleiro.
Já Oliveira, discute em seu artigo o processo de estruturação urbana das cidades brasileiras durante o período da colonização. A autora baseia-se nas Cartas Régias, indicando um planejamento prévio ao desenvolvimento dessas cidades, argumentando e contrapondo com Holanda, e que não houve totalmente um crescimento totalmente desordenado, como indica a ideia do semeador.  É feito análise de algumas Cartas Régias e reflete-se o processo de consolidação dos núcleos urbanos brasileiros. A autora então defende que não houve falta de planejamento, mas sim um processo de estruturação urbana peculiar, que foi diferente das cidades espanholas, nas quais houve um planejamento prévio ao desenvolvimento. Nessa perspectiva, a autora verificou que o português não era o desleixado, o semeador, que não pensava nem planejava o território, criando núcleos urbanos irregulares, sem nenhuma diretriz, como destacou Sérgio Buarque de Holanda e enfatizou Amilcar Torrão Filho.
 Para Oliveira, o urbanismo colonial português não possuía uma legislação específica de âmbito geral que os colonizadores pudessem seguir. Os povoadores adotavam sempre as Ordenações do Reino, que em sua maioria deveriam trazer determinações específicas para cada caso particular. As Cartas Régias, que tratavam das fundações de vilas e cidades, na maioria das vezes acabavam passando de uma cidade para outra, tornando-se quase uma regra a ser seguida por todas.
Filho em seu texto chama o modo de ocupação português de antiurbanista, e que foi generalizado no Brasil, fruto de um método com raízes na era medieval. Afirma que os colonos portugueses não cuidaram de incrustar a cidade na paisagem, apenas “afundavam-na” no solo, semeavam-na, utilizando das palavras de Holanda. Aponta que o faziam tão sem cuidado que quase todas as vilas inauguradas nos séculos XVI e XVII foram postas pelos seus fundadores em sítios inadequados, citando o exemplo de Filipéia e Mariana. Nas palavras do autor “Pobreza e insignificância são as características principais dessas cidades, que sofriam a competição da roça, onde as fortunas florescem nas casas-grandes.”
A autora Oliveira, contrapõe este argumento trazido por Filho em que as Cartas Régias traziam recomendações e determinações a serem seguidas e que em alguns casos como no de Mariana e Vila Boa de Goiás não seguiram estas Cartas Régias, e o que houve foi a predominância da desobediência dos moradores. Nestas Cartas Régias havia determinações de que o sítio deveria ser seguro, evidenciando uma preocupação com a defesa, e possuía também a questão da abastança de água. Aponta-se ainda as preocupações urbanísticas explícitas nas Cartas Régias, apresentando determinações de arruamento e as reservas de locais para praças, igrejas, edifícios públicos, franquias municipais e logradouros. A autora chama atenção para a praça, que nesta deveria conter o pelourinho, que simbolizava o núcleo legal, sendo um instrumento e um símbolo de autoridade.
Filho cita que nas vilas brasileiras, em grande parte na maioria das vezes surgiram de regiões ainda que ermas e quase inóspitas, que conheciam uma ocupação rural e embriões de assentamentos urbanos. Cita ainda a importância da Igreja na legislação e organização espacial e social.
Nas Cartas Régias apresentadas por Oliveira, é mostrada a preocupação da Coroa com a uniformização das casas, recomendava-se que as fachadas de todas fossem iguais, contendo a mesma forma, que o exterior das casas deveria ser padrões e quanto ao interior o proprietário decidisse o que fazer.  Recomendava-se que os edifícios tivessem todos da mesma altura, mesma dimensões de portas e janelas e os mesmo tipo de ornamentos. Deveriam seguir a mesma ordem das primeiras casas construídas, é descrito nas Cartas Régias que esta determinação era para prezar a “formosura” das vilas. Outra preocupação contida nestas Cartas eram recomendações para que não se ocupasse a margem inundável dos rios, evidenciando que neste período já se tinha consciência de que essa ocupação da margem dos rios era problemático devido o transbordo dos rios. A autora ainda aponta que no período colonial, havia uma preocupação por parte do governo português de que todas as pessoas tivessem um pedaço de terra para morar e cultivar, evitando a desigualdade de terras, fazendo então a divisão igualitária destas.
Filho reconhece a existência das Cartas Régias, porem o considera como um detalhamento e que eram medidas concretas e que tais cartas faziam que regularizassem alguns elementos e que se repetiam nas vilas e cidades, em condições determinadas. Afirmando que de certa forma a regularidade não poderia faltar às cidades portuguesas na América. E que não havia um plano prévio não seguindo métodos lógicos, e que essas seriam determinações vindas do particular e que eram adotadas pelo geral, chamando então de um aproveitamento do acidental, assim, denomina este acontecimento, essa forma de ocupação de pitoresco. O autor conclui que a ocupação e ordenamento das cidades coloniais brasileiras se resumiram a ordem, desordem, planejamento, desleixo que foram as oposições que marcaram as imagens sobre estas cidades.
Oliveira considera que houve uma “espontaneidade e organicidade” que caracterizou a maior parte das ocupações coloniais no Brasil, mas afirma que a Coroa Portuguesa sempre teve preocupações urbanísticas, sócias, econômicas e políticas, expressas por meio de Cartas Régias.



Textos escolhidos:

FILHO, Almicar Torrão.Imagens de pitoresca confusão: a cidade colonial na América Portuguesa. Revista USP, São Paulo,  n. 57, p.50-67 março/ maio 2003.


OLIVEIRA, Melissa Ramos da Silva - O URBANISMO COLONIAL BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA DAS CARTAS RÉGIAS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ESPACIAL - -.Complexus – Instituto Superior De Engenharia Arquitetura E Design – Ceunsp, Salto-Sp, Ano. 1, N.1, P.175-188, Março de 2010.